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terça-feira, 15 de outubro de 2013

Fazendas no Namibe exploram crianças



Enquanto os jovens de diversos municípios da Huila emigram para várias partes do país, à procura de emprego nas empresas chinesas de construção civil e não só, as crianças, dos 12 aos 17 anos, acorrem às fazendas e armazéns grossistas no Namibe.

D escalço, com o tronco nu e as partes íntimas cobertas por um pano verde (com vários desenhos), amarado à cintura, calçando sandalha de borralha preta, o pequeno Tio cuidava das plantas de tomate, amarando-as em pequenos paus para que os legumes possam desenvolver-se sem tocar a terra, quando a equipa de reportagem de O PAÍS chegou à Fazenda Twaponwa, na pretérita Sexta-feira, 20.

Para conseguirmos comunicar com o adolescente que só domina a língua Nhaneka Humbi recorremos aos préstimos da sua patroa que prontamente acedeu ao nosso convite, uma vez que ela pertence a mesmo grupo étnico.

Embora não soubesse precisar a idade, o seu porte físico demonstrava estar entre os 12-13 ano. Segundo apuramos, ele e os seus progenitores desconhecem a existência do calendário, a mudança de séculos e levam a vida em função dos desafios que encontram em cada dia.

Com os braços cruzados e os pés firmes no chão, o seu rosto denunciava o estado de surpresa que se havia apossado dele, procurava responder às nossas questões de forma curta e concisa, com os olhos fixos nas lentes da câmara fotográfica.

O pequeno camponês contou que a sua família foi obrigada a abandonar temporariamente a aldeia de Camu papa para procurar água e alimentação. Localizada a cerca de 30 quilómetros do Morro Maluco (designação de um enorme morro que também pode ser visto da Huíla), a fazenda Twaponwa foi o local onde ele, os seus pais e os irmãos mais novos foram acolhidos há cerca de três meses.

Sobre o que pretende ser no futuro, disse desconhecer a existência de um futuro e que se sente bastante feliz com a actividade que realiza. O salário de cinco mil Kwanzas a que tem direito mensalmente é entregue aos seus progenitores pela entidade patronal e são eles quem decide o destino conveniente que deve ser dado ao mesmo.

Já a adolescente Minga que também não domina a língua de Camões e se encontrava com um traje típico do seu grupo étnico, isto é, com um pano amarelo com desenhos azuis amarado à cintura, combinando com as missangas brancas e amarelas enfeitando o peito descoberto, contou que não sabia quem lhe atribuiu este nome e por que razão o fez.

A forma cruzada com que se encontravam as missangas serviam para anunciar que estava solteira. As mulheres já comprometidas usam-nas sobre os seios. Mas este cenário está a ser alterado aos poucos, pelo facto de existirem muitas senhoras que já optam por se agasalhar com camisolas.

À semelhança de Tio, ela não sabia precisar a sua idade, mas, segundo o proprietário da Fazenda, acredita-se que já tenha atingido a fase da puberdade (o que se presume estar entre os 15-16 anos) pelo facto de já ter sido circuncisada, meses antes de ir para lá à procura de emprego, em companhia dos seus progenitores.

Ela contou que era a sua primeira vez a trabalhar numa fazenda, convivendo com indivíduos de outras etnias e que se sentia realizada com a actividade. Contrariamente ao seu colega que parecia tentar dominar um aperente desconforto, este apossouse completamente da nossa interlocutora, que respondia as questões com as mãos junto à boca.

Indagada se gostaria de frequentar uma escola, demonstrou ter total desconhecimento sobre a existência de escolas, professores e o que lá se faz.

Disse ainda que sente-se feliz com a vida que tem e que não sabe o que quer ser quando crescer. Enquanto as crianças prestavam declarações à nossa equipa de reportagem, as senhoras acompanhavam tudo de perto, debaixo da sombra de uma árvore e os homens, faziam-no a cerca de 25 metros de distância.

Ambos partilham o serviço de amarrar os tomateiros e alimentar os animais, em troca de cinco mil Kwanzas por mês, ao passo que os trabalhos mais pesados da fazenda estão sob a responsabilidade dos seus pais que auferem mensalmente 25 mil Kwanzas. Para além dos valores acima mencionados, os camponeses têm direito a alimentação e alojamento em tendas de campismo.

Nesta propriedade, os funcionários deixaram para trás as casas de adobe típicas das aldeias e as camas feitas de pau e passaram a dormir em colchões de esponja. Na fazenda, que dista 100 quilómetros da cidade, O PAÍS encontrou trabalhadores de diversas partes das províncias do Namibe e da Huíla que se viram forçados a abandonar as suas áreas de origem por causa da estiagem.

Entre eles, estavam duas jovens grávidas, em companhia dos seus esposos. Armando Chicoca, o proprietário da fazenda, explicou que tão logo se aproximem do serviço de parto, serão enviadas às suas aldeias para darem à luz. Os jovens se recusaram a falar à reportagem.

Condições de trabalho garantidas

O secretário do Soba de Mohombo, vulgo Geral de Cima, António Francisco Cassua, contou que a província do Namibe tem sido o local escolhido por centenas de crianças, dos 12 aos 17 anos, originárias da Huila com o intuito de vencerem na vida e contribuírem no sustento das suas famílias.

Só nesta comunidade existem mais de duzentas crianças provenientes de diversas aldeias dos municípios da Chibia, Quipungo e Chicomba (Huila) a trabalharem em fazendas. Estes dados constam de um levantamento feito recentemente pelas autoridades tradicionais do Mohombo.

De maneira a não haver qualquer discrepância nos salários e a valorizar a mão-de-obra, os fazendeiros daquela região acordaram em fixar o ordenado dos funcionários menores de idade em cinco mil Kwanzas mês.

A par do salário, a entidade patronal está ainda encarregue de arcar com as despesas inerentes a alimentação, alojamento, vestuário e de tratamento médico, em caso de doença.

Os contratos de trabalho variam de quatro a cinco meses, dependentemente das plantações que estiverem em curso. Caso seja de tomate, os trabalhadores permanecem até chegar a época da colheita para puderem receber os seus ordenados tão logo sejam comercializados os produtos.

“Assim que o contrato chega ao fim elas regressam às suas zonas de origem com dinheiro (entre 20 a 25 mil Kwanzas) para ajudarem as suas famílias e depois voltam acompanhadas de outras crianças, isto é, se foram dez voltam 20, porque cada uma delas recruta uma de forma espontânea”, disse.

Segundo ele, a falta de escolas e a fome podem ser apontadas como factores que têm contribuído para o aumento do fluxo migratório de crianças da província da Huila para o Namibe, a fim de conseguirem emprego nas áreas rurais ou na cidade (como estivadores).

“Na maior parte das aldeias, as poucas escolas que existem só leccionam da iniciação a 4º classe, o que tem feito com que muitas crianças fiquem fora do sistema de ensino e, consequentemente, só têm dois caminhos a seguir: enveredar pela vida do crime ou emigrar em busca de emprego”, justificou.

Para além da actividade agrícola, muitos deles trabalham como estivadores em diversos armazéns de grossistas que existem na cidade do Namibe e noutras cedes municipais.

Questionado se têm recebido de denúncias de maus tratos por parte das entidades empregadoras, à semelhança do que acontece com muitos jovens que são recrutados para trabalharem em empresas de construção civil chinesas, conforme O PAÍS noticiou na edição passada, o secretário do Soba mostrou-se incrédulo e descartou qualquer possibilidade disto ocorrer na sua zona de jurisdição.

“O soba representa a autoridade de uma determinada área e não deve admitir que os fazendeiros tratem as crianças de forma desumana. Recebemos algumas denúncias deste género e fomos prontamente averiguar e constatamos que eram denúncias falsas”, disse.

Ele negou a existência de casos de abusos sexuais contra menores e assegurou que elas não fazem trabalhos forçados. Afirmou ainda que com a implementação no sistema gota a gota (uma mangueira com vários furos) nas lavras o trabalho tornou-se menos fastidioso.

A substituição da agricultura manual pela mecanizada, isto é, das enxadas pelos tratores, tem tornado o serviço mais leve para os petizes.

De acordo com o nosso interlocutor, o primeiro grupo que se deslocou ao Namibe com este objectivo, isto é, há dois anos, tinha fugido de suas famílias por causa das dificuldades que há nas suas aldeias.

Só que, como regressaram com dinheiro, os pais não deram nenhum correctivo e acabaram por incentivalos ainda mais. Tendo em conta que com valores conseguiram não só aumentar a quantidades de animais no curral (o que pare eles é sinónimo de riqueza) como também compraram alimentos.